A sequência de matérias inaugurada pela Folha na sexta-feira, sobre o plágio cometido por Carlos Alberto Parreira, é muito séria. O jornal, que é cuidadosíssimo ao fazer afirmações , não titubeou ao dar manchete: Único Livro de Parreira, o Teórico do Futebol, é Plágio. Lendo os detalhes, é difícil chegar a outra conclusão.
A investigação da Folha mostra que nada menos que 10 das 50 páginas "escritas" por Parreira para o seu Evolução Tática e Estratégia de Jogo eram traduções literais do livro de Charles Hughes, Soccer, Tactics and Teamwork (1973). Essas 10 páginas são traduzidas do livro de Hughes e reproduzidas em português sem aspas, sem referência à fonte e publicadas num volume com o nome de Parreira. Se isso não é plágio, não sei o que é.
Há uma referência ao livro de Hughes ao final, numa "bibliografia recomendada". Mas não há nada que indique ao leitor que essas 10 inteiras páginas são uma tradução literal de um texto publicado em 1973 por outra pessoa em outra língua. Sem contar, claro, o fato de que quando citamos, muito raramente citamos dez páginas inteirinhas em seqüência.
O livro de Hughes é, explicitamente, um manual para que "equipes menores" tenham chances de enfrentar equipes superiores.
A única declaração de Parreira sobre o caso até agora tanto à Folha como ao Globo foi de que ele "traduziu mesmo" e de que se tratava de uma apostila que não foi "vendida como livro". Ora, o que configura o plágio não é o ato de lucrar, mas o fato de copiar sem citar a fonte. Não é preciso ser advogado especializado em direitos autorais para saber isso. O fato de eu não cobrar entradas para o Biscoito não me dá o direito de copiar 10 laudas do Pensar Enlouquece ou do Kit Básico da Mulher Moderna e não citar a fonte, como o se o texto fosse meu. É crime do mesmo jeito.
A estratégia de resposta de Parreira parece ser a de que ele "traduziu" e "outros" colocaram aquilo entre duas capas. Parece um pouco de conversa para boi dormir, né? Sinceramente, não acredito que alguém empreste seu nome para um livro seja lá lançado como "apostila" ou não sem saber qual é o conteúdo que está entre a capa e a contracapa. Muito menos um sujeito como o Parreira, que não é exatamente analfabeto.
A ironia é que o plágio foi revelado justo no fim de semana em que a seleção de Parreira finalmente jogou com um quarteto ofensivo, fez uma bela exibição no Beira-Rio e goleou o bom time do Paraguai, contrariando os ensinamentos do retranqueiro Hughes, que Parreira "cita" em português.
O plágio é um crime contra a propriedade intelectual, tema que me interessa muito. Roubar bens materiais é crime codificado e reconhecido como tal por todos, mas o plágio freqüentemente é tratado como coisa menor, como se roubar um texto fosse menos grave que roubar um carro. Não é. Texto é produto de trabalho, igualzinho um carro.
Entrevistado pela Folha, Charles Hughes disse que não processará Parreira porque já "não tem idade para essas coisas".
Há muito o que se explicar aqui neste caso, porque Parreira nunca foi profissional de quem se esperasse luxemburguices. Mas eu não vejo muito por onde explicar isso, não, a não ser chegando à conclusão a que chegou a Folha.
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